No antigamente,
as drogarias eram aquela espécie de lojas chinesas pela quantidade e variedade de produtos disponíveis – mas com alta qualidade, lembra-se? Qualquer coisa assim mais exótica (exótica porque não existia a acessibilidade fácil das grandes superfícies de hoje) que a mãe precisava, encontrávamos na drogaria: era a aguarrás, a soda cáustica, as garrafas do gás para o fogão, as cordas e as molas para a roupa, as ferramentas e os pregos, as mangueiras e as vassouras para o jardim, os detergentes para a casa de banho e o sabão rosa, os perfumes e os sabonetes, o talco para o rabinho dos miúdos e para os pés dos graúdos. Ai que saudades das drogarias antigas!
E o cheiro, lembra-se do cheiro?
Mesmo antes de darmos o passo derradeiro para lá entrarmos já sentíamos aquela mistura de odor com cheiro, o odor das drogas ácidas e corrosivas e dos plásticos com o cheiro das fragrâncias suaves, uma espécie de ar saturado e por saturar que nos entrava narinas adentro e nos deixava a fantasiar. A si, não?
Eu saía sempre das drogarias com histórias na cabeça – umas de terror, em que as substâncias perigosas entravam em conluios para desfazerem carnes e outras de magia em que peças brancas e luminosas de limpo pelo sabão rosa serviam de motivo para construir enredos de cavaleiros e princesas que fugiam para os bosques. Eram os lugares para onde me levavam as drogarias.
E as drogarias o tempo levou
Ou, pelo menos, foi levando. A pouco e pouco, cada coisa no seu lugar – a especialização do comércio foi colocando no mercado lojas, ou secções nas grandes superfícies, específicas para tudo: as ferramentas e os pregos num lugar, os plásticos para casa noutro, os perfumes e produtos de higiene pessoal separadíssimos de outra coisa qualquer, os utensílios de jardim em lojas gigantescas do ramo e os produtos perigosos, cada vez mais legislados, deixaram de poder estar junto de tudo o resto.
É o progresso
Mas ainda existem drogarias à antiga, o progresso não limpou tudo, tanto nos centros urbanos como nas zonas periféricas: são velhinhas, conservam as paredes sem espaço com tantos pendericalhos pendurados para vender, montras desregradas e feias e por isso encantadoras, teias de aranha por todo o lado, e vazias. Estão quase sempre vazias porque o cliente de hoje prefere ir bater perna para o hipermercado – faz as compras a correr para apanhar o elevador e subir ao shopping, mar confuso de gente com ar doente e quente, para gastar horas a surfar no nada.
Conservo a nítida memória das mãos do Senhor Franquelim, o dono da drogaria das drogarias da minha infância, ser dono de parte da minha infância é de uma significância belíssima, as mãos do trabalho árduo mas feliz: a pele tão seca e gretada, a cor opaca de uma mistura de branco com verde, as cabeças dos dedos esticadas e unhas imperceptíveis pelo pó que já não queria sair. Saudades, não do tempo que já não volta, das drogarias que ficaram lá atrás.
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