Comprar parece ter sido a palavra-chave da maioria dos portugueses nas últimas décadas. O país parece ter vivido décadas de pseudo-prosperidade alicerçadas na armadilha bancária do crédito fácil. Estes anos em que todos pensávamos poder comprar a nossa felicidade e a dos nossos amigos e familiares, na verdade estávamos a cavar aquela que seria a sua sepultura definitiva.
Da euforia do comprar até à condenação do consumo
Os estímulos exteriores, os sinais e os apelos da euforia consumista levaram-nos a comprar e a hipotecar o nosso futuro e o dos nossos filhos.
Num frenesim imenso para alimentar o carrossel louco da banca e restantes instituições financeiras, fomos comprando, a pronto ou a prestações, endividando-nos até ao limite e…para além.
Para comprar não era preciso ter como, bastava querer. Tudo, em prol da alimentação do gigantesco monstro consumista instalado em Portugal e no mundo.
Importava comprar de tudo um pouco, mostrar que havia, que era possível, numa felicidade ilusória ao melhor estilo norte-americano.
A inversão do ciclo: uma praga tão grande quanto as calamidades do passado
A verdade é que, em cinco anos, tudo mudou. Do verbo «comprar», passou-se ao verbo «poupar» e a outros verbos menos simpáticos, como «perder», «vender», «hipotecar». A doméstica que comprava um «smartphone» de última geração em suaves prestações mensais caiu em si quando o marido perdeu o emprego. Os carros topo de gama começaram a ser devolvidos em catadupa, assim como as casas e tudo o restante.
Subitamente, nada era garantido, nem aquilo que pensávamos que duraria para sempre. E aqueles que tanta força fizeram para que conseguíssemos comprar e voltar a comprar eram agora os mesmos que nos condenavam e injuriavam por termos comprado de mais. «Viver acima das possibilidades», dizem agora. Eles, os mesmos que nos massacraram com compras e créditos, empréstimos e prestações.
Os mesmos que nos mandaram comprar são agora quem decide que comprámos demais
Deixámos de comprar, passámos a sobreviver, a pagar os mesmos créditos com muito menos dinheiro, alimentando os mesmos que agora nos criticam e que outrora nos incentivaram a comprar até não poder mais. Comprar deixou de ser a palavra de ordem e passou a ser quase uma heresia. O que hoje é verdade, amanhã podem bem ser mentira. Nunca uma frase se aplicou tão bem a uma conjuntura histórica como agora.
Não estamos em guerra, não há peste negra nem febre amarela, mas vivemos um flagelo tão ou mais grave do que essas pragas de outrora. Tudo porque comprar era a palavra de ordem a seguir até não mais ser possível. E tudo porque houve quem decidisse que já não devíamos mais comprar. Mas, o mundo continuar a girar e é necessário quem continue a comprar, se não aqui do outro lado do mundo. O que interessa é que o dinheiro gire!
Comentar